POR kHALIL RAMEZ SARKIS
A história que vão ler me foi contada na minha adolescência.Ela não parece ter deixado nem traço na literatura árabe, nem da antiga nem da moderna. Eu dedico a todos os homens que apesar da idade conservam jovem o coração.
Era uma vez um fazendeiro e um caçador chamado Matias, que levava vida tranquila e fulgal, com sua mulher e sua filha, Maria, num lugarejo perdido nas montanhas.
Um dia, vem a saber que um urso vaga pelos campos desertos dos arredores, onde rondavam somente os chacais.Matias decide caçá-lo, apanha a espingarda e sai a sua procura.Procura noites e dias sem resultado.
Cansado, resolve voltar para casa, na véspera do Natal, quando, de repente, vê o urso a poucos passos dele. Era uma fêmia; e sua cria, repirando inocênte, saltitava a seu lado. Ansioso por poupar o filhote, Matias aponta sua espingarda, visa a mãe e atira. Mas erra, e o ursinho é atingido mortalmente.
Abatida, como se ferida na alma, a ursa curva-se sobre o filhote, lambe a ferida e caminha a passos lentos, na esperança que ele a siga. Mas, em breve sente o sopro da morte, afastando-se dolorosamente e desaparece na neblina. Assi, nesta véspera de Natal, correu sangue inocente sobre a brancura da neve.
Durante todo um ano, a ursa não apareceu mais na região. Não retornou senão quando se aproximava o Natal. Alguns camponeses a viram e precipitaram-se para previnir Matias contra uma possivel vingança. Sua mulher, inquieta, implora-lhe que abandone a caça; mas Matias não é homem de ceder.
Na vespera de Natal,quando todas as famílias preparam sua árvore tradicional, quando os vales repetem os ecos dos hinos e dos carrilhões, quando todo o povoado se aproxima para acolher o Menino-Deus, Matias pensa na ursa. Sai, firmemente decidido a matá-la.
Sua filha Maria o acompanha até a estrada e quer segui-lo. Para conseguir que ela volte, promete-lhe um ursinho como presente de festa. Satisfeita, ela retrocede. Mas a imagem do bonito presente dos seus sonhos a arrebata, e ela segue de longe o pai em vez de voltar sua mãe. Seu pai vislumbra a ursa numa abertura entre duas rochas. No momento em que se apresta para atirar, sua filha, do outro lado, se dirige para ursa, cantarolando e fazendo drapejar um véu.
Ao ver a menina, Matias sentiu-se paralisado e perdido. Se chamasse a menina, atrairia a atenção da ursa. Se atirasse, arriscar-se-ia a matar a sua filha, como tinha matado o filhote da ursa. Entrementes, a pequenina chega á frente da ursa que, vendo-a, dela se aproxima.
Matias se ajoelha e se entrega a Deus. Fecha os olhos diante de um espetáculo cujo fim trágico ela já prevê. Mas quando os reabre, qual não é a sua estupefação ao ver a ursa acariciar ternamente a pequena Maria e, depois, transporta-la e depositá-la na estrada, antes de entrar novamente na bruma e desaparecer!
Corre, então, o caçador para sua filha, estreita-a contra o peito, chorando e agradecendo a Deus. Ela lhe conta seu encontro com a ursa, suas brincadeiras, e depois sussurra-lhe que a ursa não estava com o filhote e pergunta-lhe onde ele poderia estar.
Os hinos e os carrinhos rivalizam em sonoridade na atmosfera alegre do povoado, quando Matias, pensativo, regressa a seu lar, trazendo nos braços a filha Maria, e, na alma, um arrependimento angustioso, um remorso doloroso e inusitado. Sua espingarda, ele a deixou lá onde, meses atrás, correu sangue inocente sobre a brancura imaculada da neve. Todo o povoado canta:
“ Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade.”
Nesse dia, nasceu Jesus no coração de Matias.
Nenhum comentário:
Postar um comentário